Magaly Mendes Cerqueira²
Resumo
O presente trabalho trata das transformações ocorridas no espaço urbano no final do século XIX e início do século XX, devido a fatores como o fluxo intenso de imigração para o Brasil, com o objetivo central de discutir algumas questões relativas à reforma urbana implementada durante a administração do prefeito Pereira Passos e a participação do médico sanitarista Oswaldo Cruz na com relação à imposição da aplicação da vacina.
Palavras-chave: Crescimento Demográfico. Reforma Urbana. Oswaldo Cruz. Revol-ta da Vacina.
Do ano que se estende ao fim do tráfico negreiro ao início do período republi-cano, a vida daqueles que habitavam a cidade do Rio de Janeiro, passaram por pro-fundas mudanças. Foi o período de transição entre o império e a República. Durante esse processo, o Rio de Janeiro teve um importante crescimento demográfico, e isto se deveu a dois motivos: a abolição da escravidão, que fez com que os escravos libertos da zona rural migrassem para a zona urbana, e, a imigração constante de estrangeiros vindos da Europa. Sidney Chalhoub afirma que
“[...] em 1872 moravam na capital 274 972 pessoas; em 1890 este número cresce
para 522 651, atingindo a 811 443 em 1906. A densi-dade populacional era de
cerca de 247 habitantes por km² em 1872, passou a 409 em 1890 e a 722 em1906.
Neste ultimo ano, o Rio de Janeiro era a única cidade do Brasil com mais de 500
mil habitantes, e abaixo dela vinham São Paulo e Salvador, com apenas um pouco
mais de 200 mil habitantes cada uma”. ³
A imigração européia nessa época se deveu a vários fatores como: o fim do tráfico negreiro internacional para o Brasil, a industrialização e a necessidade de al-gumas partes das Américas em suprir mão-de-obra necessária para continuar sua expansão. Os meios de transporte como os bondes e os trens, também contribuíram para o crescimento urbano do Rio de Janeiro. O bonde facilitou a ocupação da zona sul e norte da cidade enquanto o trem as zonas suburbanas. A moradia das classes populares mesmo após a reforma urbana feita durante os anos da administração do prefeito Francisco Pereira Passos, era na parte central da cidade, próxima aos locais de trabalho que para muitos eram as próprias rua do centro. Os valores das passagens e a duração das viagens que teriam que pagar para chegar à periferia não compensavam às classes populares morar nas regiões periféricas.
Havia pouca oferta de trabalho, no entanto a cidade possuía um grande número de trabalhadores com ocupações mal remuneradas, escravos libertos que rumaram para a cidade e não encontravam empregos. O Estado Imperial por sua vez não se preocupou em formar qualquer compromisso que estivesse relacionado com a preparação deste indivíduo para o novo regime de organização da vida produtiva e do trabalho. Assim, “o liberto viu-se, inesperadamente, proprietário de si mesmo”4 e acabava quase sempre fazendo parte das fileiras da população sem trabalho na cidade. Vivia cotidianamente desocupado ou envolvia-se na vagabundagem. Além da pouquíssima oferta de trabalho, os ex-escravos ainda tinham que conviver com a concorrência estrangeira, que levavam vantagem por serem brancos.
A imigração também causou em enorme desequilíbrio entre a população masculina e feminina. A quantidade de homens era muito maior que a de mulheres. Este desequilíbrio proporcionou um grau muito baixo de casamento. Existiam poucas famílias regularizadas e a taxa de nascimentos ilegítimos era alta. Com a República a falta de preocupação com determinados valores se tornou mais evidente. A honestidade e a ética não eram preocupações fundamentais.
O fato de haver muita gente para poucos empregos fez com que a maioria aceitasse trabalhos mal remunerados ou não tivessem ocupação fixa. Muitos passa-ram a fazer trabalhos ilegais. O Rio estava infestado de ladrões, prostitutas, bicheiros, malandros, ambulantes. A maior parte destes atuava e morava no centro do Rio.
A partir da segunda metade do século XIX, principalmente do ano de 1870 em diante, a cidade passou a conviver surtos epidêmicos de febre amarela e varíola. Essas doenças atingiam todas as camadas da população, sem distinção. A cidade se tornou um grande meio de cultivo de doenças. Essas doenças matavam na casa dos milhares. A aglomeração das pessoas gerava realidades como essas: doenças em massa s epidemias, realidade presente nas cidades que começavam a fazer par-te da modernidade e da industrialização.
A cidade do Rio de Janeiro do século XIX encontrava-se, portanto em condições de vida insalubres, com ruas estreitas, escuras, anti-higiênicas, com ambulantes, animais de todas as espécies soltos, rede insuficiente de água e esgoto, a coleta de resíduos era precária e por isso precisava ser saneada. Era necessário por um ponto final nas epidemias que terminavam prejudicando entre outras coisas a política de imigração adotada pelo país, para incentivar a vinda de estrangeiros para ocupação de postos de trabalho. Sidney Chalhoub declara que
"[...] ao lidar com a febre amarela num momento histórico particular, as autoridades de saúde pública dos governos do Segundo Reinado inventaram alguns dos fundamentos essenciais do chamado ‘ideal de embranquecimento’ - ou seja, a configuração de uma ideologia racial pautada na expectativa de eliminação da herança africana presente na sociedade brasileira. Tal eliminação se produziria através da pro-moção da vinda de imigrantes, do incentivo à miscigenação num con-texto demográfico alterado pela chegada massiva de brancos europeus, pela inércia, e também pela operação de mal confessadas polí-ticas específicas de saúde pública”. 5
Rodrigues Alves quando assumiu a presidência da República em novembro de 1902, tinha como prioridade o saneamento e a modernização do Rio de Janeiro para isso era preciso atacar o mal que assombrava toda a capital, que era a febre amarela, a varíola e a peste bubônica. A modernização do porto e remodelagem da cidade com a construção da Avenida Central, que cortaria o centro da cidade velha, estava dentro deste projeto. Com grande responsabilidade em manter a cidade limpa, e longe de tantas doenças infecciosas, Alves nomeia o prefeito Pereira Passos que assume a prefeitura em 2 de janeiro de 1903 e o médico Osvaldo Cruz para se empenharem junto a ele nesta reforma sanitarista.
Munidos de um plano para tornar a cidade salubre, criaram um projeto de combate aos cortiços, habitações populares tidas como focos transmissores das epidemias. A destruição do cortiço “Cabeça de Porco” pelo prefeito Pereira Passos em 1893, se tornou um emblema da intensa intervenção oficial na vida da população.
O crescimento demográfico e a concentração das classes populares na região central da cidade acabaram por gerar uma crise habitacional, devido à procura por habitações ser bem maior do que a oferta. Esta falta de moradias explicita, de certa maneira, os altos preços dos aluguéis pagos pelas classes populares e, além disso, ao declínio da qualidade de vida no interior destas habitações, devido ao alto número de moradores.
Combater os cortiços era um meio de combater as epidemias e, sobretudo, controlar os seus habitantes, através da diminuição das aglomerações. Se as elites intelectuais e políticas já vinham discutindo a questão da salubridade da cidade desde os anos 1850, propondo medidas para saneá-la, somente no período do prefeito Pereira Passos é que ocorreu a primeira grande intervenção no espaço urbano. Rico fazendeiro de café sabia da ameaça apresentada pela febre amarela aos imigrantes que trabalhavam na lavoura. Ele próprio havia perdido uma filha por causa da doença, assim procurou remodelar o centro da cidade do Rio de Janeiro de modo a parecer com as capitais européias, e sem nenhum traço dos ranços coloniais o que exigiu a demolição dessas habitações populares para dar lugar a imensas avenidas e bulevares.
“[...] A construção da Avenida Central começou e fevereiro de 1904, e ar-rasou o velho centro para abrigar uma via que reuniria as melhores casas comerciais, grandes companhias, jornais e prédios públicos. Cruzava a área mais antiga da cidade levando o povo à praia da Santa Luzia no morro do castelo. Os primeiros prédios construídos em estilo francês foram o Museu de Belas Artes, a Biblioteca Nacional, o Prédio do Supremo Tribunal Federal, o Palácio Monroe e o Teatro Municipal, uma cópia reduzida da Ópera de Paris”.6
As demolições destruíram centenas de prédios e ruelas estreitas da Cidade Velha. O objetivo era liberar o centro colonial, abrindo um largo canal de circulação de ar para transformar o aspecto e as condições de higiene daquele espaço. A obra desabrigou milhares de pessoas, cujo modo de vida foi totalmente desorganizado, e destruiu também o pequeno comércio e as oficinas existentes na área. Em relação ao combate aos cortiços – além, por exemplo, da elaboração de propostas que tinham por objetivo controlar a lotação dos cortiços, impedindo as aglomerações, e erradicá-los de regiões da cidade, proibindo a prefeitura de conceder licenças tanto para a construção, como para a reforma de cortiços - a solução apontada como definitiva, por estas elites intelectuais e políticas, era a construção de vilas operárias ou casas higiênicas.A expulsão dos habitantes do perímetro urbano foi o lado perverso da reforma burguesa, que transformou o Rio na “Cidade Maravilhosa.” O essencial era o saneamento e o embelezamento da área central e sua especialização como área de comércio e das altas finanças. A população de baixa renda, porém foi a mais atingida com as reformas. Os deslocamentos da população da área central para os subúrbios seguiam os bondes e as linhas de trens, levando à expansão e à reorganização das habitações de baixa renda em outros locais do centro. Além do deslocamento houve também a proibição de circulação pelo centro da cidade de mendigos e animais e a instituição de visitas domiciliares para retirar tudo que prejudicasse a higiene. A po-pulação se indignava com essas visitas, pois elas eram feitas sem que lhes fossem dado algum tipo de conhecimento.
Juntamente com a reforma urbana, a vacinação compulsória se constituiu em um fator que também desagradou por causa dos abusos cometidos contra o povo, e a reação desse povo, culminou com a Revolta da Vacina. A instituição da vacina o-brigatória para todos os cidadãos em 1904 foi administrada de modo extremamente autoritário, com isso as primeiras campanhas de saúde pública foram mal recebidas pela população.
Após a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola, Oswaldo Cruz divulgou nos jornais uma proposta do regulamento que tornava a obrigatoriedade da vacina através da lei, ainda mais dura, pois significava a imposição de seu ponto de vista sobre saúde para a sociedade. O governo tinha grande interesse nesta medida, e era apoiado pela maioria no congresso. Por outro lado podemos dizer que existia uma minoria parlamentar constituída pela imprensa não governista, e até mesmo a população da cidade, que resistiam a tal implantação. O governo argumentava que a vacinação era de inegável e imprescindível interesse para a saúde pública. A oposição, com grande furor e totalmente enraivecidos, respondiam ao governo que os métodos de aplicação no caso de lei brasileira, eram pouco confiáveis e os enfermeiros e funcionários agiam com grande brutalidade. Até mesmo os jornais se pronunciavam uns contra, outros a favor das políticas de saúde pública preconizadas por Oswaldo Cruz.
Quando o novo regulamento de higiene foi aprovado em fevereiro de 1904, o jornal A Gazeta de Notícias, que apoiava as iniciativas de Cruz, publicou um resumo sobre o novo código:
"[...] Há aí disposições minuciosas sobre a polícia sanitária, que visitará as casas particulares de três em três meses, e mensalmente as casas de habitação coletiva (casas de cômodos, pensões, hotéis, colégios etc.). As casas vagas não poderão ser alugadas sem que primeiro tenham sido desinfetadas e feitos os consertos indispensáveis à higiene, não sendo permitidos os porões com assoalhos de madeira. Há também disposições minuciosas referentes à profilaxia das moléstias infecciosas, estando consignadas medidas especiais, como a obrigatoriedade da notificação dessas moléstias, a qual, não sendo feita, acarretará penas severas não só para o medico assistente, como para o chefe da família ou o dono dos hotéis casas e pensões etc.; ou o enfermeiro, ou a pessoa encontrada junto ao enfermo."7
O jornal Correio da Manhã opositor do governo do presidente Rodrigues Al-ves, denunciava as violências e arbitrariedades do recém aprovado “Código de Tor-turas”."Realizaram-se as nossas previsões quanto aos regulamentos dos serviços sanitários a cargo da União. O que, sob seu nome, publicou ontem o Diário Oficial, compreende um verdadeiro código de torturas para a população desta cidade. Uma só preocupação dominou o di-retor de higiene, a quem o governo entregou a elaboração do regu-lamento: munir-se de todas as armas para constranger, vexar o parti-cular, e quebrar todas as resistências às suas investidas e dos seus subordinados contra a liberdade individual e o direito de propriedade. Multiplicaram-se os arrochos. Redobraram-se as fintas. Criou-se um regime de intoleráveis rigores, perfeitamente escusados, porquanto, as próprias autoridades sanitárias, que elaboraram o regulamento draconiano, têm obtido magníficos resultados, de que se ufanam sem recorrer aos extremos com que se vai oprimir o povo desta capital e tornar ainda mais ingrata a sua vida."8
As pessoas doentes e infectadas eram levadas para hospitais munidas de to-dos os seus pertences, e até mesmo para os lugares de desinfecção que Oswaldo Cruz havia construído. De acordo com Jaime Benchimol, a campanha contra a peste bubônica foi menos controvertida do que a febre amarela. Ele afirma em um artigo que produziu, relatando a reforma urbana e a revolta da vacina no Rio de Janeiro que para o combate da peste bubônica houve grande comercialização de ratos, o que incentivaria o povo a acabar com os entulhos em imóveis e porões.9 A campanha apesar de tudo alcançou êxito. No entanto a insatisfação popular tomou forma de protesto por causa da brutalidade com que se aplicava a vacina contra a varíola. Os confrontos em pouco tempo se generalizaram, opondo os populares e as forças policiais. Marco Cabral dos Santos esclarece que
"[...] Num regime republicano recém instaurado, onde a participação polí-tica da maior parte da população era nula, o levante representou uma reação legítima frente ao tratamento autoritário que o governo dis-pensava ao povo. Mais que um levante dos cariocas contra as medi-das sanitárias do Estado, a Revolta da Vacina simboliza a resistência popular frente à truculência que historicamente permeia o contato do poder público com o povo."10
Portanto o que era insatisfação popular se transformou em protesto. Os con-frontos em pouco tempo se generalizaram, opondo os populares e as forças polici-ais. Em poucos dias, esses confrontos tomaram proporções enormes. Muitas áreas da cidade se transformaram em campos de batalha quando ergueram barricadas pa-ra tentar conter a polícia. Esse confronto não durou por muito tempo, pois o governo conseguiu retomar o controle da cidade.
Assim, vemos que a Revolta da Vacina foi um levante do povo contra as me-didas truculentas tomadas pelo governo na execução da vacina, afinal a vacinação já era um processo conhecido e usado pelos brasileiros.
Referências Bibliográficas
¹ - Artigo apresentado à disciplina História do Brasil Século XX, sob a orientação da docente Cristina de Sousa Freitas.
² - Aluna de graduação em História do Departamento de Educação – Campus X / UNEB, Teixeira de Freitas, Bahia.
³ - CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle Époque. São Paulo: Brasiliense, 1986, p.p 24-25
4 - FERNANDES, Florestan. A Integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Ótica, 1978, p.15.
5 - CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: Cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
6 - SCLIAR, Moacyr. O Bota Abaixo: O Rio de Janeiro em Pé de Guerra. História Viva. São Paulo. v. 1, nº4, p. 78 - 83, fev. 2004.
7 - Gazeta de Notícias, 29/02/1904 apud CARRETA, José Augusto. Os Médicos e a Revolta da Vacina. Rio de janeiro – Artigo - Jornadas Latino-Americanas de Estudos Sociais das Ciências e Tecnologias, p.10, 2008. Capturado em 01 de Julho de 2009. Disponível em http://www.necso.ufrj.br/esocite2008/trabalhos/35735.doc.
8 – Ibid. p,11.
9 - BENCHIMOL, Jaime. L.. Reforma Urbana e Revolta da Vacina do Rio de Janeiro. In: Jorge Ferreira; Luciade Almeida Neve. (org). Brasil Republicano. Economia e Sociedade,Poder e Política, Cultura e Representações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, v. vol 1.