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quinta-feira, 29 de julho de 2010

VACINAÇÃO COMPULSÓRIA E SUAS IMPLICAÇÕES

VACINAÇÃO COMPULSÓRIA E SUAS IMPLICAÇÕES¹



Magaly Mendes Cerqueira²



Resumo


O presente trabalho trata das transformações ocorridas no espaço urbano no final do século XIX e início do século XX, devido a fatores como o fluxo intenso de imigração para o Brasil, com o objetivo central de discutir algumas questões relativas à reforma urbana implementada durante a administração do prefeito Pereira Passos e a participação do médico sanitarista Oswaldo Cruz na com relação à imposição da aplicação da vacina.


Palavras-chave: Crescimento Demográfico. Reforma Urbana. Oswaldo Cruz. Revol-ta da Vacina.


Do ano que se estende ao fim do tráfico negreiro ao início do período republi-cano, a vida daqueles que habitavam a cidade do Rio de Janeiro, passaram por pro-fundas mudanças. Foi o período de transição entre o império e a República. Durante esse processo, o Rio de Janeiro teve um importante crescimento demográfico, e isto se deveu a dois motivos: a abolição da escravidão, que fez com que os escravos libertos da zona rural migrassem para a zona urbana, e, a imigração constante de estrangeiros vindos da Europa. Sidney Chalhoub afirma que


“[...] em 1872 moravam na capital 274 972 pessoas; em 1890 este número cresce
para 522 651, atingindo a 811 443 em 1906. A densi-dade populacional era de
cerca de 247 habitantes por km² em 1872, passou a 409 em 1890 e a 722 em1906.
Neste ultimo ano, o Rio de Janeiro era a única cidade do Brasil com mais de 500
mil habitantes, e abaixo dela vinham São Paulo e Salvador, com apenas um pouco
mais de 200 mil habitantes cada uma”. ³


A imigração européia nessa época se deveu a vários fatores como: o fim do tráfico negreiro internacional para o Brasil, a industrialização e a necessidade de al-gumas partes das Américas em suprir mão-de-obra necessária para continuar sua expansão. Os meios de transporte como os bondes e os trens, também contribuíram para o crescimento urbano do Rio de Janeiro. O bonde facilitou a ocupação da zona sul e norte da cidade enquanto o trem as zonas suburbanas. A moradia das classes populares mesmo após a reforma urbana feita durante os anos da administração do prefeito Francisco Pereira Passos, era na parte central da cidade, próxima aos locais de trabalho que para muitos eram as próprias rua do centro. Os valores das passagens e a duração das viagens que teriam que pagar para chegar à periferia não compensavam às classes populares morar nas regiões periféricas.

Havia pouca oferta de trabalho, no entanto a cidade possuía um grande número de trabalhadores com ocupações mal remuneradas, escravos libertos que rumaram para a cidade e não encontravam empregos. O Estado Imperial por sua vez não se preocupou em formar qualquer compromisso que estivesse relacionado com a preparação deste indivíduo para o novo regime de organização da vida produtiva e do trabalho. Assim, “o liberto viu-se, inesperadamente, proprietário de si mesmo”4 e acabava quase sempre fazendo parte das fileiras da população sem trabalho na cidade. Vivia cotidianamente desocupado ou envolvia-se na vagabundagem. Além da pouquíssima oferta de trabalho, os ex-escravos ainda tinham que conviver com a concorrência estrangeira, que levavam vantagem por serem brancos.

A imigração também causou em enorme desequilíbrio entre a população masculina e feminina. A quantidade de homens era muito maior que a de mulheres. Este desequilíbrio proporcionou um grau muito baixo de casamento. Existiam poucas famílias regularizadas e a taxa de nascimentos ilegítimos era alta. Com a República a falta de preocupação com determinados valores se tornou mais evidente. A honestidade e a ética não eram preocupações fundamentais.

O fato de haver muita gente para poucos empregos fez com que a maioria aceitasse trabalhos mal remunerados ou não tivessem ocupação fixa. Muitos passa-ram a fazer trabalhos ilegais. O Rio estava infestado de ladrões, prostitutas, bicheiros, malandros, ambulantes. A maior parte destes atuava e morava no centro do Rio.

A partir da segunda metade do século XIX, principalmente do ano de 1870 em diante, a cidade passou a conviver surtos epidêmicos de febre amarela e varíola. Essas doenças atingiam todas as camadas da população, sem distinção. A cidade se tornou um grande meio de cultivo de doenças. Essas doenças matavam na casa dos milhares. A aglomeração das pessoas gerava realidades como essas: doenças em massa s epidemias, realidade presente nas cidades que começavam a fazer par-te da modernidade e da industrialização.

A cidade do Rio de Janeiro do século XIX encontrava-se, portanto em condições de vida insalubres, com ruas estreitas, escuras, anti-higiênicas, com ambulantes, animais de todas as espécies soltos, rede insuficiente de água e esgoto, a coleta de resíduos era precária e por isso precisava ser saneada. Era necessário por um ponto final nas epidemias que terminavam prejudicando entre outras coisas a política de imigração adotada pelo país, para incentivar a vinda de estrangeiros para ocupação de postos de trabalho. Sidney Chalhoub declara que

"[...] ao lidar com a febre amarela num momento histórico particular, as autoridades de saúde pública dos governos do Segundo Reinado inventaram alguns dos fundamentos essenciais do chamado ‘ideal de embranquecimento’ - ou seja, a configuração de uma ideologia racial pautada na expectativa de eliminação da herança africana presente na sociedade brasileira. Tal eliminação se produziria através da pro-moção da vinda de imigrantes, do incentivo à miscigenação num con-texto demográfico alterado pela chegada massiva de brancos europeus, pela inércia, e também pela operação de mal confessadas polí-ticas específicas de saúde pública”. 5


Rodrigues Alves quando assumiu a presidência da República em novembro de 1902, tinha como prioridade o saneamento e a modernização do Rio de Janeiro para isso era preciso atacar o mal que assombrava toda a capital, que era a febre amarela, a varíola e a peste bubônica. A modernização do porto e remodelagem da cidade com a construção da Avenida Central, que cortaria o centro da cidade velha, estava dentro deste projeto. Com grande responsabilidade em manter a cidade limpa, e longe de tantas doenças infecciosas, Alves nomeia o prefeito Pereira Passos que assume a prefeitura em 2 de janeiro de 1903 e o médico Osvaldo Cruz para se empenharem junto a ele nesta reforma sanitarista.

Munidos de um plano para tornar a cidade salubre, criaram um projeto de combate aos cortiços, habitações populares tidas como focos transmissores das epidemias. A destruição do cortiço “Cabeça de Porco” pelo prefeito Pereira Passos em 1893, se tornou um emblema da intensa intervenção oficial na vida da população.

O crescimento demográfico e a concentração das classes populares na região central da cidade acabaram por gerar uma crise habitacional, devido à procura por habitações ser bem maior do que a oferta. Esta falta de moradias explicita, de certa maneira, os altos preços dos aluguéis pagos pelas classes populares e, além disso, ao declínio da qualidade de vida no interior destas habitações, devido ao alto número de moradores.

Combater os cortiços era um meio de combater as epidemias e, sobretudo, controlar os seus habitantes, através da diminuição das aglomerações. Se as elites intelectuais e políticas já vinham discutindo a questão da salubridade da cidade desde os anos 1850, propondo medidas para saneá-la, somente no período do prefeito Pereira Passos é que ocorreu a primeira grande intervenção no espaço urbano. Rico fazendeiro de café sabia da ameaça apresentada pela febre amarela aos imigrantes que trabalhavam na lavoura. Ele próprio havia perdido uma filha por causa da doença, assim procurou remodelar o centro da cidade do Rio de Janeiro de modo a parecer com as capitais européias, e sem nenhum traço dos ranços coloniais o que exigiu a demolição dessas habitações populares para dar lugar a imensas avenidas e bulevares.



“[...] A construção da Avenida Central começou e fevereiro de 1904, e ar-rasou o velho centro para abrigar uma via que reuniria as melhores casas comerciais, grandes companhias, jornais e prédios públicos. Cruzava a área mais antiga da cidade levando o povo à praia da Santa Luzia no morro do castelo. Os primeiros prédios construídos em estilo francês foram o Museu de Belas Artes, a Biblioteca Nacional, o Prédio do Supremo Tribunal Federal, o Palácio Monroe e o Teatro Municipal, uma cópia reduzida da Ópera de Paris”.6


As demolições destruíram centenas de prédios e ruelas estreitas da Cidade Velha. O objetivo era liberar o centro colonial, abrindo um largo canal de circulação de ar para transformar o aspecto e as condições de higiene daquele espaço. A obra desabrigou milhares de pessoas, cujo modo de vida foi totalmente desorganizado, e destruiu também o pequeno comércio e as oficinas existentes na área. Em relação ao combate aos cortiços – além, por exemplo, da elaboração de propostas que tinham por objetivo controlar a lotação dos cortiços, impedindo as aglomerações, e erradicá-los de regiões da cidade, proibindo a prefeitura de conceder licenças tanto para a construção, como para a reforma de cortiços - a solução apontada como definitiva, por estas elites intelectuais e políticas, era a construção de vilas operárias ou casas higiênicas.

A expulsão dos habitantes do perímetro urbano foi o lado perverso da reforma burguesa, que transformou o Rio na “Cidade Maravilhosa.” O essencial era o saneamento e o embelezamento da área central e sua especialização como área de comércio e das altas finanças. A população de baixa renda, porém foi a mais atingida com as reformas. Os deslocamentos da população da área central para os subúrbios seguiam os bondes e as linhas de trens, levando à expansão e à reorganização das habitações de baixa renda em outros locais do centro. Além do deslocamento houve também a proibição de circulação pelo centro da cidade de mendigos e animais e a instituição de visitas domiciliares para retirar tudo que prejudicasse a higiene. A po-pulação se indignava com essas visitas, pois elas eram feitas sem que lhes fossem dado algum tipo de conhecimento.

Juntamente com a reforma urbana, a vacinação compulsória se constituiu em um fator que também desagradou por causa dos abusos cometidos contra o povo, e a reação desse povo, culminou com a Revolta da Vacina. A instituição da vacina o-brigatória para todos os cidadãos em 1904 foi administrada de modo extremamente autoritário, com isso as primeiras campanhas de saúde pública foram mal recebidas pela população.

Após a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola, Oswaldo Cruz divulgou nos jornais uma proposta do regulamento que tornava a obrigatoriedade da vacina através da lei, ainda mais dura, pois significava a imposição de seu ponto de vista sobre saúde para a sociedade. O governo tinha grande interesse nesta medida, e era apoiado pela maioria no congresso. Por outro lado podemos dizer que existia uma minoria parlamentar constituída pela imprensa não governista, e até mesmo a população da cidade, que resistiam a tal implantação. O governo argumentava que a vacinação era de inegável e imprescindível interesse para a saúde pública. A oposição, com grande furor e totalmente enraivecidos, respondiam ao governo que os métodos de aplicação no caso de lei brasileira, eram pouco confiáveis e os enfermeiros e funcionários agiam com grande brutalidade. Até mesmo os jornais se pronunciavam uns contra, outros a favor das políticas de saúde pública preconizadas por Oswaldo Cruz.

Quando o novo regulamento de higiene foi aprovado em fevereiro de 1904, o jornal A Gazeta de Notícias, que apoiava as iniciativas de Cruz, publicou um resumo sobre o novo código:

"[...] Há aí disposições minuciosas sobre a polícia sanitária, que visitará as casas particulares de três em três meses, e mensalmente as casas de habitação coletiva (casas de cômodos, pensões, hotéis, colégios etc.). As casas vagas não poderão ser alugadas sem que primeiro tenham sido desinfetadas e feitos os consertos indispensáveis à higiene, não sendo permitidos os porões com assoalhos de madeira. Há também disposições minuciosas referentes à profilaxia das moléstias infecciosas, estando consignadas medidas especiais, como a obrigatoriedade da notificação dessas moléstias, a qual, não sendo feita, acarretará penas severas não só para o medico assistente, como para o chefe da família ou o dono dos hotéis casas e pensões etc.; ou o enfermeiro, ou a pessoa encontrada junto ao enfermo."7


O jornal Correio da Manhã opositor do governo do presidente Rodrigues Al-ves, denunciava as violências e arbitrariedades do recém aprovado “Código de Tor-turas”.

"Realizaram-se as nossas previsões quanto aos regulamentos dos serviços sanitários a cargo da União. O que, sob seu nome, publicou ontem o Diário Oficial, compreende um verdadeiro código de torturas para a população desta cidade. Uma só preocupação dominou o di-retor de higiene, a quem o governo entregou a elaboração do regu-lamento: munir-se de todas as armas para constranger, vexar o parti-cular, e quebrar todas as resistências às suas investidas e dos seus subordinados contra a liberdade individual e o direito de propriedade. Multiplicaram-se os arrochos. Redobraram-se as fintas. Criou-se um regime de intoleráveis rigores, perfeitamente escusados, porquanto, as próprias autoridades sanitárias, que elaboraram o regulamento draconiano, têm obtido magníficos resultados, de que se ufanam sem recorrer aos extremos com que se vai oprimir o povo desta capital e tornar ainda mais ingrata a sua vida."8


As pessoas doentes e infectadas eram levadas para hospitais munidas de to-dos os seus pertences, e até mesmo para os lugares de desinfecção que Oswaldo Cruz havia construído. De acordo com Jaime Benchimol, a campanha contra a peste bubônica foi menos controvertida do que a febre amarela. Ele afirma em um artigo que produziu, relatando a reforma urbana e a revolta da vacina no Rio de Janeiro que para o combate da peste bubônica houve grande comercialização de ratos, o que incentivaria o povo a acabar com os entulhos em imóveis e porões.9 A campanha apesar de tudo alcançou êxito. No entanto a insatisfação popular tomou forma de protesto por causa da brutalidade com que se aplicava a vacina contra a varíola. Os confrontos em pouco tempo se generalizaram, opondo os populares e as forças policiais. Marco Cabral dos Santos esclarece que

"[...] Num regime republicano recém instaurado, onde a participação polí-tica da maior parte da população era nula, o levante representou uma reação legítima frente ao tratamento autoritário que o governo dis-pensava ao povo. Mais que um levante dos cariocas contra as medi-das sanitárias do Estado, a Revolta da Vacina simboliza a resistência popular frente à truculência que historicamente permeia o contato do poder público com o povo."10


Portanto o que era insatisfação popular se transformou em protesto. Os con-frontos em pouco tempo se generalizaram, opondo os populares e as forças polici-ais. Em poucos dias, esses confrontos tomaram proporções enormes. Muitas áreas da cidade se transformaram em campos de batalha quando ergueram barricadas pa-ra tentar conter a polícia. Esse confronto não durou por muito tempo, pois o governo conseguiu retomar o controle da cidade.
Assim, vemos que a Revolta da Vacina foi um levante do povo contra as me-didas truculentas tomadas pelo governo na execução da vacina, afinal a vacinação já era um processo conhecido e usado pelos brasileiros.





Referências Bibliográficas

¹ - Artigo apresentado à disciplina História do Brasil Século XX, sob a orientação da docente Cristina de Sousa Freitas.
² - Aluna de graduação em História do Departamento de Educação – Campus X / UNEB, Teixeira de Freitas, Bahia.
³ - CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle Époque. São Paulo: Brasiliense, 1986, p.p 24-25
4 - FERNANDES, Florestan. A Integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Ótica, 1978, p.15.
5 - CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: Cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
6 - SCLIAR, Moacyr. O Bota Abaixo: O Rio de Janeiro em Pé de Guerra. História Viva. São Paulo. v. 1, nº4, p. 78 - 83, fev. 2004.
7 - Gazeta de Notícias, 29/02/1904 apud CARRETA, José Augusto. Os Médicos e a Revolta da Vacina. Rio de janeiro – Artigo - Jornadas Latino-Americanas de Estudos Sociais das Ciências e Tecnologias, p.10, 2008. Capturado em 01 de Julho de 2009. Disponível em http://www.necso.ufrj.br/esocite2008/trabalhos/35735.doc.
8 – Ibid. p,11.
9 - BENCHIMOL, Jaime. L.. Reforma Urbana e Revolta da Vacina do Rio de Janeiro. In: Jorge Ferreira; Luciade Almeida Neve. (org). Brasil Republicano. Economia e Sociedade,Poder e Política, Cultura e Representações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, v. vol 1.











quarta-feira, 28 de julho de 2010

A Influência da Música na Ditadura Militar Brasileira

A influência da Música na Ditadura Militar Brasileira

A música sempre foi uma maneira de expressão dos sentimentos ao longo da história humana. Através dela, pessoas uniram-se, professaram e divulgaram suas concepções ideológicas e anseios.
Cantar e tocar têm o poder de despertar sentimentos contraditórios, porém comoventes que provoca a vontade de experimentar, sentir e viver. E foi através dessa força que a música tem que uma nova era na história da música começou e penetrou na vida das pessoas através de cantores e escritores, bem como de estilos de canto, de modo a protestar contra o regime militar e a repressão política, evidenciando a insatisfação inicialmente da juventude politizada e depois da sociedade mobilizada por essa juventude.
Esse período despertou em várias camadas da sociedade a ânsia de ter uma vida politicamente ativa. É nesse momento que os movimentos estudantis tornam-se extremamente evidentes, a exemplo da União Nacional dos Estudantes (UNE) e de outras frentes de mobilização como a do operariado e dos agricultores. O teatro também teve suas atividades intensificadas dando às suas produções um caráter mais nacionalista.
Mais do que qualquer outra manifestação cultural, a música teve importante papel naquele momento, e se intensificou ainda mais com o Ato Institucional nº 5, considerado naquele momento como um golpe dentro do golpe, decretado no final de 1968. A partir de então a música popular brasileira teve um recrudescimento, onde com a existência, nessa época, do sistema elétrico de gravação e a consolidação do processo da indústria fonográfica e da televisão proporcionou, a essa manifestação cultural, tamanha magnitude.
O advento da televisão serviu também para popularizar a música, como a Bossa Nova, por exemplo. A Bossa Nova, não era um movimento de protesto, mas foi um dos movimentos que vieram para incrementar o meio musical, porém ela era apenas divulgada em circuitos fechados. Com a popularização da televisão veio o aumento da audiência musical por todos os segmentos com os chamados programas de Festivais, organizados pela TV Record, que consagrou nomes como Francisco Buarque de Holanda e Geraldo Vandré. Os meios de comunicação ligados ao regime também passaram a divulgar nomes sem engajamento político com a Jovem Guarda, pois não ameaçavam o poder do regime militar.
A música como forma de protesto passou a despertar grande interesse do governo, pois esta se tornara francamente hostil ao regime, sofrendo censura. Tudo que se produzia naquela época era revisado. Antes de serem publicadas, muitas produções sofriam censura na íntegra, outras eram parcialmente cortadas. Por causa disso, cantores e compositores passaram a usar de subterfúgios para driblar a censura, fazendo uso, por exemplo, de metáforas, que foram amplamente utilizadas por quem queria transmitir sua mensagem de necessidade de novos valores ideológicos ao público.
Mas mesmo usando de recursos sutis para esse conclame muitos compositores viram-se pressionados pela censura que só permitiam a divulgação na íntegra das músicas caso elas fossem elogiosas ao governo ou não tivessem algo que fosse considerado impróprio pelo órgão censório.
A censura musical pela “moral e os bons costumes” não foi criada pela ditadura militar, pois ela já era uma aplicação legal desde 1934, mas foi adaptada pela ditadura de acordo com as suas necessidades. Nesse período ela instaurou a censura prévia nas áreas de diversões públicas como o teatro, a TV, o cinema, a música e universidades, tendo a sua atuação apenas em nível regional. Isto foi modificado de acordo com a construção de uma legislação que adaptou a censura às novas necessidades do regime. Desde então a atuação censória regional, a Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP) passou a ser subordinada à centralização censória federal, o Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP), isso facilitava a vida artística que necessitava apenas de uma liberação para a divulgação de suas músicas, válida nacionalmente.
Essa centralização foi sugerida pelo chefe do Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP), mas os órgãos censórios regionais não gostaram dessa subordinação alegando que essa centralização traria problemas, pois nem tudo que serve para um estado serviria para outro. O fato é que a censura regional não queria perder sua autonomia em censurar, independente da opinião da censura federal. Mas a censura federal acabou por se isolar em Brasília deixando de ser possível assim acabar com a censura regional.
A censura não ficou somente na área de diversões públicas, mas abrangeram também outras áreas deixando muitos sem poder expressar suas opiniões. Assim o povo caiu na clandestinidade, fazendo surgir grupos armados que se organizavam como pequenos exércitos populares. Outros “lutavam” contra o regime ditatorial sem o uso das armas, através da diplomacia, pois achavam ser possível a redemocratização sem a luta armada.
No meio musical também houve os que confrontaram diretamente a repressão ditatorial e os que, como já mencionado, usavam recursos de linguagem para denunciá-la, sendo ambos reprimidos pela censura.
A análise prévia pelas quais a música sofria era feita com a colaboração do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e os demais órgãos censórios regionais. Quando o artista tinha as suas letras consideradas subversivas ele passava a ser vigiado pelo DOPS.
Muitos artistas tiveram as suas letras vetadas integralmente por mencionarem sexo, drogas, homossexualismo, movimento hippie, conterem erros gramaticais e assuntos muito discutidos na época como o divórcio, sob o discurso de defesa da religião católica e dos valores tradicionais da família brasileira, e, por serem consideradas inadequadas e de péssima qualidade musical.
Durante a vigência do regime repressor ditatorial, muitos nomes ficaram conhecidos por suas letras de protesto, quer seja ela clara ou quer seja ela através de metáforas. Chico Buarque com sua música Cálice consegue burlar a censura e a compõe com críticas veladas e ao mesmo tempo tão claras, à ditadura. Já Odair José não teve a mesma sorte na composição de Em qualquer lugar, pois mesmo reescrevendo-a após ter sido censurada, ela foi novamente vetada, pois o órgão censório alegou que a mesma exaltava o amor livre. Muitos artistas não tiveram a “sorte” de terem apenas a letra de sua música vetada. Alguns deles foram interrogados, aterrorizados e exilados.
Outros nomes como Gilberto Gil e Caetano Veloso também se destacaram no cenário nacional fazendo parte de um movimento chamado Tropicália. Esse movimento teve um caráter inovador, pois misturava diferentes estilos musicais, além de usar guitarras elétricas em sua composição. Isso deu uma nova roupagem à música popular brasileira. Algum tempo depois Caetano e Gil foram presos pelo regime e exilados na Inglaterra, sob a alegação de que teriam escrito versos ofensivos aos militares.
Mesmo tendo durado até alguns anos após o fim da ditadura militar, a censura de diversão pública continuou com o seu trabalho de veto, mesmo tendo diminuído consideravelmente a quantidade de vetos. Com a extinção da DCDP em 1988 a censura passou a fazer parte do Ministério da Educação com caráter apenas classificatório.
A música, como vimos, em suas várias formas, teve grande influência no comportamento da sociedade brasileira durante a vigência do regime militar. Dessa forma percebe-se que, a maior parte das produções artísticas mostrava a influência do protesto e influenciavam beneficamente, levando as pessoas a uma mobilização social para além do divertimento. Todas essas criações serviram para unir a sociedade e não deixá-la à mercê dos “protetores da família brasileira”.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Uma Introdução à História




Uma Introdução à História



A primeira parte do livro tem como tema central a cientificidade da História, onde a mesma não teria esse caráter cientifico visto que os acontecimentos históricos são únicos e, portanto não se repetem, portanto por seu caráter não repetitivo, não seria passivo da lei. Collim Peterson, por exemplo, nega a existência de cientificidade em ciências factuais como a História, pois as “teorias que as integram se caracterizam por ter conseqüências que pela observação podem se falsificadas”.
Karl Max e Engels opondo-se ao positivismo de Peterson, afirma que a História pode ser plenamente científica a partir da busca pelas fontes repetitivas e invariáveis. Já Paul Vayne declara que apenas alguns acontecimentos da História são objeto da ciência e por isso seria obrigado a verificar os acontecimentos como um todo e não somente os adequados à explicação.
O que caracteriza um conhecimento como cientifico é que ele tenha que ser verdadeiro apesar de haver outras formas não cientificas de se fazer isso, porém a ciência não se baseia em nenhuma delas.
C. Cardoso afirma que uma concepção adequada ao que é uma ciência deveria conter os seguintes pontos: “1. A ciência e o conhecimento das leis da natureza e da sociedade, tendo como finalidade proporcionar uma representação mental e mais adequada possível dos processos que ocorrem objetivamente na natureza e na sociedade; 2. Método científico como forma de garantir o caráter objetivo do conhecimento; 3. O método teórico e o empírico; 4. O sujeito do processo de conhecimento científico não é individual e sim coletivo; 5. A ciência é histórica e, portanto falível.
A palavra História segundo o autor possui vários significados. Neste caso História como disciplina e história como prática social dos homens. A História como disciplina possui várias subdisciplinas e em cada uma delas ela possui significado e conotação específicos, por isso o termo Historia teria vários significados.
No século XVI, com a evolução da História como disciplina, houve uma preocupação muito grande com a autenticidade dos textos, “já que não é possível raciocinar em forma rigorosa a partir de uma documentação e um conjunto de dados falsos ou duvidosos”. Em contrapartida no final do século XVII houve um retrocesso em relação às concepções da Historia. No entanto, no século XVIII foi “particularmente brilhante no campo da teoria e das concepções da História mesmo se os meios metodológicos ainda insuficientes, então a disposição dos historiadores para o seu trabalho, tornavam prematuras algumas exigências feitas na época à disciplina História.”
No campo da teoria GianBattista Vico defende o caráter “cíclico” do desenvolvimento das sociedade humana, enquanto Voltaire mostrava a insuficiência de uma História voltada para o relato dos acontecimentos e a necessidade de uma História que a tornava explicativa. No século XIX a História triunfa no desenvolvimento de técnicas a serviço da crítica das fontes históricas juntamente com grande numero de publicação de coletâneas de documentos e no surgimento de escolas nacionais européias, por fim Marx e Engels propuseram o Materialismo Histórico como a primeira teoria coerente das sociedades, mesmo fora do mundo dos historiadores “oficiais”. Mas estes trabalhavam com a pesquisa erudita voltados apenas para o estabelecimento de fatos irrepetíveis, se mostrando imunes à Historia científica do marxismo.
O positivismo e o historicismo contribuíram para o progresso das técnicas e para um retrocesso quanto à construção histórica. Em nosso século a construção da história como ciência foram marcados até agora pela influência do marxismo e dos Annales.

O Método Científico em História

No final do século XIX e inicio do século XX “o conhecimento histórico se basearia na observação indireta dos fatos, através dos testemunhos conservados”. Marc Bloch diz que “as fontes são como as testemunhas: só “falam” utilmente se soubermos fazer-lhes as perguntas adequadas.
Para o processo de pesquisa é necessário conhecimento de heurística e de disciplinas auxiliares tais como: diplomática, filologia, sigilografia, paleografia, criptografia, epigrafia, papirologia, genealogia, heráldica e cronologia. Algumas passaram por um processo de avanço tecnológico muito grande, mas a lista se tornou muito extensa, assim não tem como um historiador dominar todas elas, por isso há um avanço de especialização entre os historiadores.
As operações analíticas do método histórico consistem em: crítica externa e interna dos testemunhos. Os métodos são ações realizadas para que se atinja um objetivo, e podem ser classificadas como a: quantificação, onde se percebeu uma manipulação do seu objeto em função das hipóteses adotadas, o método comparativo e a construção de modelos. O uso das hipóteses se divide em três tipos: proposições singulares, particulares ou existenciais e universais.
Os Passos das Pesquisas Históricas

Uma das finalidades do projeto de pesquisa consiste em convencer acerca da importância e da viabilidade que se deseja levar a cabo. O projeto deve conter partes como: formulação e justificação do tema; objeto; especificação do quadro teórico; formulação das hipóteses; tipologia das fontes; cronograma de execução; bibliografia. Quanto ao critério usado para a escolha do tema, existem quatro passos a seguir: o de relevância, de viabilidade, originalidade e o do interesse pessoal. A escolha desse tema requer um interesse por uma problemática ainda mal definida, despertada por leituras anteriores ou por experiências pessoais. Pierre Vilar indica três critérios para se delimitar uma teoria: um espaço, no tempo e no quadro institucional. Após a definição do tema o próximo passo é a construção do modelo teórico em função do qual serão enunciadas as hipóteses de trabalho que se procurarão comprovar, como não é possível ensinar ao estudante a formulação de hipótese o autor sugere três passos: ordenar e classificar os dados já disponíveis, a partir disso decidir que elementos serão levados em conta nas hipóteses e sondar a documentação a ser utilizada posteriormente para comprovação.
Na fase da coleta de dados as fontes assumem um papel de destaque, elas se constituem em pergaminhos, tijolos, tumulo, moedas etc. As classificações mais usuais das fontes históricas são: fontes primárias que se distingue das secundarias, e as escritas que se opõem as não escritas.
A fase de coleta é a mais longa do projeto de pesquisa. Os problemas fundamentais em relação às pesquisas apoiadas em fontes escritas são: “a localização dos acervos documentais; evitar a dispersão e a perda de tempo em manter um controle permanente e total sobre os materiais acumulados.
A fase crítica de elaboração de dados é a etapa da prova das hipóteses onde os dados serão criticados, avaliados, classificados, analisados, processados, e interpretados.
A síntese é a fase final do processo de pesquisa, havendo um retorno ao “geral”, agora com pleno conhecimento de seus componentes e suas relações, permitindo assim comprovação, correção ou abandono das hipóteses formuladas. A síntese depende do processo de pesquisa teórico e empírico, podendo se classificar de varias formas: sínteses estruturais, genéricas e dialéticas.
A redação serve para explicitar os resultados da pesquisa onde consta uma divisão: introdução, o corpo do texto e a conclusão.
As fontes e a bibliografia, dependendo de cada país, no começo após a introdução ou no final do trabalho.


CARDOSO, Ciro Flamarion S. Uma Introdução à História. Ed. brasiliense.UESC.







segunda-feira, 19 de julho de 2010

A Mulher Escrava – Participação, Resistência e Influências no Processo da Escravidão

A Mulher Escrava – Participação, Resistência e Influências no Processo da Escravidão¹


Cristina Maria Conceição²

Magaly Mendes Cerqueira



A presente atividade busca discutir a presença, participação e influência da mulher negra na escravidão. O grande problema encontrado foi identificar fontes que registrassem a sua presença como agente do processo e não apenas como coadjuvante que aparecem de maneira esparsa apenas em algumas situações. Gostaríamos e tentaremos apresentar tais mulheres atuando ostensivamente, e observaremos como tais atuações transformaram aquela realidade que não era confortável para a comunidade remanescente da escravidão naquela época.

Incomoda-nos, como mulheres e futuras historiadoras, essa visão machista construída há séculos que descreve a mulher negra como servil:


[...] “A escrava ou senhora que nos embalou. Que nos deu de mamar. Que nos deu de comer, ela própria molengando na mão o bolão de comida. Da negra velha que nos contou as primeiras histórias de bicho e de mal-assombrado. Da mulata que nos tirou o primeiro bicho-do-pé de uma coceira tão boa!”³


Ou por outro lado, como objeto de cobiça, iniciadora dos filhos dos fazendeiros na sexualidade: “Aquela que nos iniciou no amor físico e nos transmitiu ao ranger da cama de vento a primeira sensação completa de homem.”4 Não seria essa uma maneira de desmerecer e reduzir a importância da mulher, evidenciando somente tais aspectos? Seriam capazes apenas de desenvolverem tais atividades? O que dizer do trabalho escravo desempenhado pelas mulheres?

A história oficial não enfatiza com tanta veemência a participação e presença da mulher negra como enfatiza a participação do homem escravo. Mas, registros nos mostram que as escravas trabalhavam tanto na roça como também foram usadas por seus senhores como tecelãs, fiandeiras, rendeiras, carpinteiras, azeiteiras, amas-de-leite, pajens, cozinheiras, costureiras, engomadeiras e mão–de-obra para todo e qualquer serviço doméstico.

Os escravos trabalhavam desde a infância. Aos seis anos, meninos e meninas trabalhavam na roça tomando conta de animais ou fazendo covas para o plantio do milho.



[...] “Em Oeiras, grande parte das meninas escravas eram levadas a especializar-se no trabalho das rendas. A metade das mulheres que exerciam essa atividade, iniciaram-na antes dos 14 anos de idade, já aos 5 ou 6 anos tinham seus dedinhos ágeis aproveitados nesse ofício: as pequenas rendeiras, sentadas sobre uma esteira com as pernas cruzadas, tinham à sua frente a almofada de bilros onde eram presos os papetões pinicados, com motivos desenhados em forma de ‘cobra doida’, ‘rabo de pato’ e ‘espinha de peixe’. Os bilros torneados numa madeira leve, como a samambaia, sustentados por espinhos de cardos passavam rapidamente entre os pequeninos dedos e as rendas de ‘bico’, ‘entremeio’ e ‘ponta’, iam surgindo no fio de algodão, alvíssimo, fiado alí mesmo.”5


Aqui e ali encontramos a presença feminina. Pintores como o bávaro Yohann Moritz Rugendas e o francês Jean Baptist Debret eternizaram em vários desenhos e aquarelas em suas viagens pelo Brasil da primeira metade do século XIX, a presença dessas negras em torno de vendas, atividades ambulantes ou sob tendas onde vendiam gêneros de consumo. Na verdade, as mulheres negras não assumiam ocupações ideais ou compensadoras, elas tinham que se contentar com os empregos de doméstica, principalmente junto às “famílias tradicionais”.

Submetidas a um regime de exploração, ainda tinham de cuidar dos filhos, manter o cônjuge ou amázio, comprar mantimentos, enfim arcar com as despesas domésticas. Algumas escravas especializaram-se em um ofício, como a carpintaria ou a fiação, mas a maioria teve de aprender a fazer um pouco de tudo, devido à escassez de escravos na região do sertão mineiro e ao fato de os senhores possuírem em média poucos escravos (cinco aproximadamente).

Suas vidas eram sempre de sacrifício, embora não poucas vezes, espaços para lutas e reações acontecessem. Laura de Melo Souza na obra Desclassificados do Ouro descreve com maestria algumas dessas situações:


[...] “Assim, em 1764, Maria Angola – ‘pobre, negra do gentio da Guiné’ que não tem o que gastar, nem quem por ela seja’ – dirigiu uma petição ao capitão-general pedindo que lhe restituísse ‘a sua liberdade tão bem fundamentada’ que ‘com violência notória’ vinha sendo desrespeitada, a ponto de a suplicante ser encarcerada em São João Del Rei.”6


É certo, argumentava Maria Angola: “que a liberdade uma vez adquirida, não retrocede”, mas nada podia a pobre negra ante a força dos poderosos que a haviam metido na cadeia – motivo pelo qual pedia proteção ao governador que ordenou sua soltura a 15 de dezembro de 1764.


[...] “No mesmo ano, Leonor e seus filhos: José Manuel e Severina e seu netos Felix, Mariana e Amaro, requereram ao governador dizendo que, em função das leis de 1755, deveriam ser considerados “libertos e isentos de escravidão em que achavam”, que Domingos de Oliveira continuava conservando sob seu poder como se ainda fossem escravos. Estando ciente de que transgredia a lei, o tal Domingos Oliveira colocara os negros sob guarda por ocasião da visita do governador à freguesia, impedindo-os assim de protestarem seu direito à liberdade. O governador ordenou que se fizessem averiguações junto a várias autoridades e pessoas idôneas, todas elas concordando quanto à irregularidade da situação. ‘A pobre e miserável mulher’, disse o vigário da freguesia, que com a petição retro recorre a V. Exª, é mui digna e merecedora de que V. Exª olhe com piedade e se compadeça da miséria e da consternação em que se acha e seus filhos; porque sendo, como me consta, liberta e oriunda de ventre livre e de carijós, vive com os seus filhos em um rigoroso cativeiro com o falho pretexto de administrada e é com escandalosa vida e ofensa de Deus de que querendo se apartar, o não conseguiu pelo grilhão do falso cativeiro em que injustamente a constringem...” 7


Ante tais depoimentos, o governador ordenou que uma escolta fosse libertá-los.

Em ambos os casos, verificamos o desrespeito a uma Lei que deveria assegurar às

mulheres citadas, a liberdade como um direito, mas percebemos principalmente a luta que elas empreendem para que essa liberdade conseguida a duras penas lhes fossem asseguradas. Percebe-se aí a preocupação com a família, com o bem estar dos seus entes, mas acima de tudo um conhecimento ainda que insipiente do seu valor como mulher e de seus direitos, buscando com isso desfazer a noção de ‘coisa’ que podia ser vendida, descartada a qualquer momento.

As primeiras escravas vieram com os colonizadores sem nome familiar, sem sobrenome. Pelas leis antigas, a escrava era considerada uma coisa, podendo ser vendida, dada e alugada como se fazia com as bestas. Aliás, a legislação dizia: ‘os escravos e as bestas poderiam ser vendidos etc., etc.. À escrava as pessoas se referiam da seguinte forma:


[...] “Efigênia número 2.435 – o registro que tinha na municipalidade local – de cor crioula, de mais ou menos 30 anos do senhor Carlos César Burlamaqui. Só depois de alforriada ou quando era liberta ao nascer (Lei do Ventre Livre) é que a escrava poderia ter um sobrenome, o do antigo senhor, se esse o permitisse ligado a algum santo de referência religiosa: Clara das Dores, Ana Maria de Jesus, Josefa da Conceição, Luísa do Espírito Santo. Seus nomes de batismo eram bem variados e inspiravam-se no calendário cristão: Porcina, Bertolina, Ambrósia. Para se evitar confusão entre duas Luísas ou Etelvinas, acrescentavam-se algumas especificações: a Etelvina preta, a Etelvina do Zé Ferreira, a Luíza Gancho (porque seus pés tinham esse aspecto).”8


A genealogia da mulher escrava é difícil de ser seguida. No máximo podemos conhecer três gerações, a partir de alguns inventários (das mulheres e homens ricos):



[...] “A escrava Conceição, filha da escrava Ana e que tem os filhinhos Estevão e Raimundo”, além disso, o pai da escrava e o dos seus filhos não é designado. Sua pequena família composta da mãe, em geral solteira, e seus filhos e a avó, também mãe solteira, aparece nos comentários dos livros de memórias das senhoras ricas ou nos seus testamentos. ”9


Com relação aos casamentos, encontramos algumas informações que dizem respeito às mulheres escravas do sertão. Segundo Miridian Falci “raramente as mulheres escravas do sertão casava-se legitimamente pelos “laços sagrados do matrimônio.” A documentação nos aponta pouquíssimas oportunidades de a mulher conseguir fazê-lo. Basta dizer que somente 1% das escravas eram casadas. Mas falar de pouco casamento ou baixa nupcialidade não significa dizer que não houvessem constituído laços sociais familiares, que não tivessem tido a oportunidade de ter um companheiro estável, uma relação afetiva duradoura ou mesmo um companheiro temporário.


[...] “A escrava Esperança Garcia da Fazenda Nacional, denunciou ao governador da capitania os maus-tratos que sofria por parte do administrador e por ter sido separada do marido. Ainda que não casada legitimamente, a situação costumeira de mancebia de escrava era um fator a ser invocado ao tentar garantir seu direito de ter o companheiro junto de si.”10


A mulher negra, durante toda a sua trajetória buscou com suas ações, meios que garantissem sua liberdade e autonomia e isso é bastante visível nas formas de resistência ao colonialismo que aos olhos dos desavisados parecem atitudes pequenas, já que a noção de resistência perpassa pela presença de armas, derramamento de sangue e mortes. No entanto, aqui percebemos outras formas de resistência tão bem desempenhadas por essas mulheres, acima de tudo guerreiras, já que através dos seus quitutes se aproximavam de outros negros livres, e, nesse contato, traziam e levavam informações importantes para a futura e definitiva libertação. “As negras, mulatas, forras ou escravas circulavam pelo interior das povoações e arraiais com seus quitutes, doces, pastéis, bolo, mel, leite, fumo e pinga, aproximando seus tabuleiros dos locais onde se extraiam ouro e diamantes”11

Isso era uma forma de conseguir algum recurso, é claro usando de estratégias, que as possibilitassem abastecerem os Quilombos na luta constante contra a escravidão.


[...] “Uma das melhores formas de perceber a atuação e persistência do trabalho feminino é justamente acompanhar a evolução das inúmeras medidas para o seu controle, sofriam repressão por parte das autoridades que temia os encontros que ali ocorriam, e usando como justificativa a moralidade e a economia (o temor da perda dos escravos). A repressão deveria voltar-se, portanto mais para o controle e a vigilância, daí as proibições que impediam que essas escravas ficassem muito próximas às áreas de mineração e impedindo o transito livre aos Quilombos.”12


Com relação à licenciosidade senhorial, a mulher negra também utiliza isso a seu favor como forma de rebeldia. A sedução do senhor teria sido utilizada na luta particular entre senhora e escrava, assim como para obter alguns benefícios imediatos como milho, alimentação, vestimenta, dinheiro, favor para os filhos e até mesmo a alforria. Este jogo de cintura das escravas na relação com o poder senhorio, nem sempre teve êxito:


[...] “A escrava Teodora pediu interferência do delegado para obter a promessa de venda por escrito de seu senhor. Voltando para casa teve como castigo os cabelos cortados, ‘adorno muito apreciado pelas crias’. Inconformada pôs fim à própria vida.”13


O suicídio foi também uma das formas encontradas pelas escravas para fugir da situação de opressão que viviam. Era freqüente isso acontecer entre os escravos nascidos em algumas regiões da África, pois acreditavam que depois de morto iriam retornar para lá. Alguns chegaram a fazer pacto de morte na esperança deste encontro futuro. Mas o suicídio, assim como o aborto e o infanticídio, era também uma forma de lesar o senhor. Isso era terrível para os pequenos proprietários, pois causaria a sua ruína, já que dependia do ganho do aluguel desses escravos para sustento de sua família. A escrava quando decidida a morrer, usava de todos os meios para colocar fim à própria vida: envenenamento, afogamento, asfixia, estrangulamento etc..


[...] “Pulquéria, escrava de dona Leocádia, foi presa no paiol de onde tentou fugir. Não conseguindo e temendo ser castigada cortou a própria garganta com a faca. Isto ocorreu em São Mateus no Espírito Santo em 1885. Entre o jogo de cintura - a esperteza - e a situação extrema de resistência - o suicídio - escravas e escravos desenvolveram várias formas de se opor ao poder senhorial. Outra maneira de ‘mangar’ o serviço era simular doenças, algumas escravas tomaram até chá de raiz de café que provocava inchaço no corpo todo, o que fazia com que fossem dispensadas do serviço até que o inchaço desaparecesse. No trato da casa ou desempenhando atividades agrícolas ou comerciais, esse ‘desmazelo’, trazia sofrimentos e prejuízos imediatos para o senhor e sua família. A literatura médica do século XIX recomendava que as mães de família amamentassem elas próprias os seus filhos e não os dessem para serem amamentados pelas escravas, pois esta tendo sido obrigadas a se separar dos seus filhos verdadeiros, acabavam por se vingar ingerindo alimentos prejudiciais ao leite ou colocando pimenta no bico do próprio seio causando malefício à saúde da criança.” 14


Queremos salientar que nessas ações ou comportamentos, não era a maldade o fator desencadeante. Existia sim o desejo de serem vistas como gente, que destituída de seus direitos, buscava uma válvula de escape para tanto sofrimento, daí a vingança como uma das formas de resistência.

Ao longo da história, visualizamos aqui e ali, inúmeras situações que nos permitem entender o comportamento das escravas e o quanto de benefício isso trouxe para as gerações futuras.


[...] “Desde a escravidão, esse segmento populacional desenvolveu diversas formas de organização coletiva, e após a Abolição, foram criados grupos ou associações de caráter religioso, cultural e socioeconômico representados por Quilombos, confrarias, irmandades religiosas, caixas de empréstimos, etc..”15


As mulheres libertas desempenharam importantíssimo papel, avaliadas pelas palavras de Pierre Verger: “as escravas da Bahia eram muito independentes e foi em torno delas que se formou a família.”


[...] “As mulheres Nagôs e suas descendentes na Bahia, tinham o mesmo espírito empreendedor que as caracteriza na África. Vendiam no mercado e, boas comerciantes, ganhavam dinheiro e até mesmo enriqueciam, tornando-se proprietárias de pequenas casas que chegaram a alugar a seus compatriotas. Seu espírito de empresa e de dominação tornou-se visível na organização das irmandades religiosas africanas que ficaram conhecidas, quando puderam celebrar livremente, como candomblé. Este grupo de mulheres de aparência católica praticante eram, ao mesmo tempo, as fiéis guardiãs dos cultos nagô-ioruba. A importância do ex-escravos não se restringe apenas a Bahia, onde havia um grande número de africanos. Pode ser seguida do Rio de Janeiro, no bairro da Saúde, que posteriormente ficou conhecido como Pequena África, de onde saíram figuras de destaque como Tia Ciata, Tia Amélia (mãe de Donga), Pixinguinha e tantos outros.”16


A história recente registra os frutos colhidos de uma época triste com que direitos primários eram negados, a mulher esquecida, principalmente a mulher escrava que além de ser coisificada, era rechaçada a qualquer tentativa de reação.

Mas a persistência aos castigos e aos maus tratos fizeram dessas mulheres verdadeiros ícones da resistência. Graças a essas guerreiras é que muitos progressos foram alcançados e exemplos não faltam para confirmar nossas impressões:


[...] “Ana, mulher negra e escrava, fugiu do cativeiro para acompanhar o exercito tornando-se enfermeira; Chica Biriba foi para o campo de batalha juntamente com o marido, pois preferia ficar em combate de que inativa nos acampamentos; Em 1935 foi eleita Antonieta de Barros, a primeira deputada negra do país para o legislativo de Santa Catarina.”17


Benedita da Silva eleita senadora da República e tantas outras que no anonimato transformaram e vão transformando sua história e a do povo negro.

Graças a tais iniciativas é que organismos de defesa buscam atualmente criar mecanismos que permitam a igualdade de oportunidades e direitos para as mulheres negras. Necessário lembrar que a situação das mulheres nas primeiras décadas do século XX ainda era desanimadora, mas, tem melhorado. Hoje vemos mulheres negras no comando de instituições, líderes de governo, em secretarias de Educação, enfim todos os segmentos da sociedade.

Injusto não falar que se esses progressos foram alcançados, com certeza a semente foi plantada lá nos primórdios da nossa historia com as lutas, com os suicídios, com os assassinatos de nossas escravas que foram os personagens mais importantes desta triste história.



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¹ Artigo apresentado à disciplina História do Brasil século XIX, sob orientação da docente Liliane Maria Fernandes Cordeiro Gomes.

² Alunas de Graduação em História do Departamento de Educação – Campus X / UNEB, Teixeira de Freitas, Bahia.

³ Freire, Gilberto. Casa Grande e Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. Rio de Janeiro: Maia e Schimidt, 1933 p. 283.

4 Ibidem ³.

5 FALCI, Miridan Knox. História das Mulheres no Brasil. Mulheres no Sertão Nordestino. São Paulo: Contexto, 2008. p.250

6 SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do Ouro. Cópia de uma petição de Maria Angola, escrava que foi de Manoel Pinto, morador em São João Del Rei e despacha que na mesma deferiu o Ilmo. e Exmo. Sr. General. São João Del Rei 13.11.1764.

7 SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do Ouro. Requerimento que a V. Excia fez Leonor e seus filhos com os despachos e informações que houveram e deferimento de S. Exª.

8 FALCI, Miridan Knox. História das Mulheres no Brasil.p.255.

9 FALCI, Miridan Knox. História das Mulheres no Brasil. p.256.

10 Ibidem 9 .p.264

11 FIGUEIREDO, Luciano. Historia das Mulheres no Brasil. Mulheres nas Minas Gerais. p.146.

12 FIGUEIREDO, Luciano. Historia das Mulheres no Brasil. p.146.

13 GOULART, Alípio apud MOTT, Maria Lucia de Barros. Submissão e Resistência: a mulher na luta contra a escravidão. p. 31.

14 MOTT, Maria Lucia de Barros. Submissão e Resistência. p.30.

15 RAMOS, Artur apud DOMINGUES, Petrônio. Artigo: Frentenegrinas: Notas de um capítulo da participação feminina na história da luta anti-racista no Brasil.

16 MOTT, Maria Lucia de Barros. Submissão e Resistência. p.38.

17 MOTT, Maria Lucia de Barros. Submissão e Resistência. p.15.